FUTUROS AMORES

Um blog sobre amor, arte e acaso.

26 de set. de 2011

Subdores

Postado por Priscila |

Ela estava sentada no banco do metrô observando a paisagem dos trilhos. Seus olhos percorriam os cabos da via e os  clarões de luz como quem olha um horizonte. Um par de sapatos masculinos atrapalhou a sua vista: era um jovem rapaz de palitó que não sabia combinar as peças, muito menos as cores -- calça de linho marrom, meia azul marinho, sapato marrom. Uma camisa e um colete xadrez que pareciam retirados de um brechó.

Ela olhou atentamente as longas pernas. Duas torres no meio de sua paisagem. Então, as torres se moveram.

-- Posso sentar?
-- Claro! -- Ela retirou a bolsa que ocupava o assento.

O rapaz sentou e riu. Riu um riso triste para dentro de si, mas desejando compartilhar.

-- Sabe porque estou vestido assim? -- puxou assunto sem o menor pudor. Estou assim porque vim ver o meu amor. E sabe o que ela fez? Riu de mim. Disse que o meu palitó era cafona, que minha blusa parecia de velho. E eu... eu só queria vê-la receber o diploma... Saí de fininho. Ela não é tão boa quanto eu imaginava. Ela é ruim. Tá vendo o meu celular? Já me ligou duas vezes. Não vou voltar para lá. Eu poderia suportar a pior sacanagem de um amigo dela, e até da família, mas jamais imaginei ouvir o que eu ouvi da boca dela. Ela não odeia só os meus sapatos, a minha calça marrom, a minha
camisa xadrez. Ela odeia quem eu sou. Sabe quanto sacrifício eu fiz para ter esse paletó?

Silêncio.

-- ... ela queria que eu fosse uma coisa que eu descobri que eu não sou e todas as vezes que eu mostrar o xadrez brega dentro de mim, ela vai me olhar com a aquela cara de nojo e soltar o seu veneno amargo... O que eu vim fazer aqui? O que? Vou para casa. Matei o meu dia de serviço para isso...

O vagão chegou  urrando dolorosamente os seus sons metálicos. A porta abriu. E as pernas cumpridas na calça marrom desapareceram minguadas na multidão de transeuntes.

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