Ela estava sentada no banco do metrô observando a paisagem dos trilhos. Seus olhos percorriam os cabos da via e os clarões de luz como quem olha um horizonte. Um par de sapatos masculinos atrapalhou a sua vista: era um jovem rapaz de palitó que não sabia combinar as peças, muito menos as cores -- calça de linho marrom, meia azul marinho, sapato marrom. Uma camisa e um colete xadrez que pareciam retirados de um brechó.
Ela olhou atentamente as longas pernas. Duas torres no meio de sua paisagem. Então, as torres se moveram.
-- Posso sentar?
-- Claro! -- Ela retirou a bolsa que ocupava o assento.
O rapaz sentou e riu. Riu um riso triste para dentro de si, mas desejando compartilhar.
-- Sabe porque estou vestido assim? -- puxou assunto sem o menor pudor. Estou assim porque vim ver o meu amor. E sabe o que ela fez? Riu de mim. Disse que o meu palitó era cafona, que minha blusa parecia de velho. E eu... eu só queria vê-la receber o diploma... Saí de fininho. Ela não é tão boa quanto eu imaginava. Ela é ruim. Tá vendo o meu celular? Já me ligou duas vezes. Não vou voltar para lá. Eu poderia suportar a pior sacanagem de um amigo dela, e até da família, mas jamais imaginei ouvir o que eu ouvi da boca dela. Ela não odeia só os meus sapatos, a minha calça marrom, a minha
camisa xadrez. Ela odeia quem eu sou. Sabe quanto sacrifício eu fiz para ter esse paletó?
Silêncio.
-- ... ela queria que eu fosse uma coisa que eu descobri que eu não sou e todas as vezes que eu mostrar o xadrez brega dentro de mim, ela vai me olhar com a aquela cara de nojo e soltar o seu veneno amargo... O que eu vim fazer aqui? O que? Vou para casa. Matei o meu dia de serviço para isso...
O vagão chegou urrando dolorosamente os seus sons metálicos. A porta abriu. E as pernas cumpridas na calça marrom desapareceram minguadas na multidão de transeuntes.
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Sobre o blog
Este blog é um esforço lúdico para (re)elaborar a experiência amorosa. O amor na música, na memória, no cinema, na literatura, ou no "acaso".
É aqui que eu planto o meu silêncio e vejo brotar arte.
É aqui que eu me reinvento e abro espaço para o novo chegar.
Futures amores, sejam bem-vindos!
Leia o Manifesto.
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